Vando Lemos
28 anos
Caldas da Rainha
Toronto – Canadá
Mortgage Broker
Percurso escolar:
EB 23 D. João II (5º ao 9º),
Escola Secundária Raul Proença (10º ao 12º), Escola Superior Tecnologia e Gestão de Leiria (Licenciatura Engenharia Automóvel)
Do que mais gosta do país onde vive?
Viver em Toronto já não era novidade para mim, pois tinha vivido cá em criança com os meus pais durante 6 anos (dos 1 aos meus 7 anos) regressando depois a Portugal. Lembro-me que a minha adaptação a Portugal e à escola não foi nada fácil, uma vez que aqui existiam regras cumpridas ao pormenor, desde rezar antes de iniciar as aulas, ao cantar o hino canadiano, e até mesmo o trocar de calçado em dias de neve para não molhar os corredores e salas de aula. Quando chego a Portugal e ao meu primeiro dia de aulas lembro-me de ter chegado a casa a chorar e a dizer que não queria ir mais para a escola pois o barulho nas salas era imenso, parecendo não haver regras, e a professora na altura agia por vezes com violência, mas por mais razão que tivesse custava assistir ao que se passava.
O Canadá é um país onde a justiça funciona para todos, seja para quem for, as regras e as leis são cumpridas, sejas político ou um simples trabalhador, e penso que aí está uma das grandes diferenças, por exemplo, em relação ao nosso Portugal. As regras de trânsito são cumpridas a rigor também. Não compensa arriscar numa manobra mais arriscada ou acelerar mais um bocadinho pensando que a polícia não está por perto pois eles aparecem do nada.
Mesmo quando em Portugal estacionamos o nosso veículo com os quatro piscas só por uns minutos em sitio que não se deveria estacionar nada acontece porque a polícia não passa por ali, ou porque nas cidades mais pequenas conhecemos os agentes da autoridade ou porque o veículo é de gama alta. Aqui isso não acontece – tenhas um carro antigo ou um Ferrari, se não estiver de acordo com as leis, será rebocado.
Contudo não digo que não exista criminalidade ou até corrupção, mas o tempo de resposta aos crimes ou meros acidentes é rápido e as pessoas são chamadas a responder pelos seus actos menos felizes. Existe uma polícia para o estacionamento, outra para as autoestradas, outra para as diferentes cidades e ainda outra para animais abandonados na rua. Daí não se ver um único animal abandonado a andar pelas estradas, e as crianças, adultos, animais estão muito bem protegidos com regras e leis e isso faz deste país um país seguro – saímos à rua e sentimo-nos seguros. A justiça cá funciona de verdade!
O que menos aprecia?
Penso que o pior é sem dúvida a época de Inverno, em que existem picos de temperaturas negativas de -30 ou até mais negativas por vezes. Mas tal como disse, são picos, em que lá vem um dia ou outro em que essas temperaturas se fazem sentir, mas em média o Inverno tem temperaturas entre -15, -20.
Muita gente pode pensar que se está esse frio todo na rua como é que será então dentro de casa? Bem, dentro de casa andamos de calções e t-shirt porque as habitações e estabelecimentos são obrigados por lei a terem aquecimento.
Muitos pensam que aqui será um país muito frio no Inverno (o que é verdade) e não muito quente no Verão. Mas isso não é verdade pois no Verão as temperaturas chegam por vezes aos 40 e poucos graus com humidade, o que torna difícil igualmente andar pela rua, pois está aquele tempo húmido e abafado. Mas… lá está: a maioria das casas e estabelecimentos têm ar condicionado.
De que é que tem mais saudades de Portugal?
Em Portugal, nomeadamente na nossa região existem coisas únicas que apesar de aqui em Toronto e arredores haver parecido, não é igual. Tenho saudades da família, pois, apesar de ter cá os meus padrinhos de baptismo e primos, os meus pais e restante família está em Portugal. Há três anos, quando decidi voltar para Toronto, não foi uma decisão fácil, mas contei com o grande apoio dos meus pais, pois eles, tendo vivido cá, sabem o que este país tem para oferecer aos jovens em início de carreira e não só. E sempre me deram força para vir lutar pelos meus sonhos e ambições.
Apesar de eu aí em Portugal ter emprego na minha área de formação, onde exercia as funções de responsável após-venda da Ford, Kia, Peugeot e Citroen na Filipe Santos Silva, não me sentia realizado. Faltava algo, faltava sentir-me realizado monetariamente, pois na situação que Portugal se encontrava (e ainda se encontra) praticamente ninguém aufere o que merece e queria algo mais e vim em busca disso.
Sinto falta também das nossas praias. Aqui em Toronto temos o lago Ontário, que mesmo sendo enorme e ao longo das suas margens existirem diversas praias, não têm aquele cheiro a mar, aquela maresia, aquele som que muitas vezes nos faz bem ouvir para descontrair ou mesmo pensar.
Uma das grandes coisas que também tive de abrir mão foi do hóquei em patins, que praticamente desde que cheguei a Portugal comecei a praticar, primeiramente no Hóquei Clube das Caldas e depois mais tarde fui para a Biblioteca Instrução e Recreio de Valado dos Frades onde tive um dos momentos mais altos da minha carreira como jogador, sendo Campeão Nacional da 3ª divisão e tendo subido para a 2ª divisão. Também tive a oportunidade de treinar uma equipa de miúdos com o Luís Silva que está hoje a jogar em Turquel e na 1ª Divisão e foi um desporto que me permitiu conhecer imensa gente, conhecer muitos sítios, quer em Portugal quer fora, e acima de tudo fazer grandes amizades que ainda hoje permanecem intactas e faço questão de visitar sempre que vou a Portugal.
Felizmente não posso dizer que tenho saudades da gastronomia portuguesa porque aqui em Toronto os restaurantes e churrasqueiras portuguesas, os cafés, padarias e bares portugueses são imensos, e até mesmo nos supermercados existem muitos produtos de Portugal. Mas claro que uma refeição preparada pelos nossos pais ou avós é inigualável.
A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
Esta é sempre uma pergunta muito difícil de responder concretamente. Penso que quando se sai de Portugal para outro país a intenção ou a vontade, no fundo, é sempre voltar um dia, voltar às nossas raízes, ao nosso país, ao nosso cantinho. Mas saí de Portugal à procura de uma vida que infelizmente o meu país não me pode oferecer, e que aqui, mesmo que uma porta se feche, existe sempre uma janela aberta.
Felizmente tenho a sorte de poder ir a Portugal todos os anos, e claro que a vontade de ficar perto dos nossos e das nossas coisas é imensa na hora da despedida, mas depois se olharmos à nossa volta vemos que tudo está igual, que Portugal continua a ser o país do faz de conta, que cada vez há mais comércio falido, que a população é cada vez mais idosa, e então talvez aí se ganhe coragem novamente para vir embora. Em conversa com amigos costumo dizer que Portugal com a economia do Canada seria um paraíso!
“Se estiverem à procura de novos desafios, ou se forem forçados a emigrar para atingir os objectivos de vida, não tenham medo de o fazer”
Quando vim para o Canadá tive de agarrar as oportunidades que me surgiram e agarrei-me à carpintaria de acabamentos interior, isto é, os aros das janelas, os aros das portas, as portas, os rodapés. etc.. Neste país a construção nunca pára e esta foi a forma mais rápida e “mais fácil” de começar a juntar algum dinheiro e sabia que no futuro, com calma e conhecendo mais pessoas, isso me iria abrir novas portas.
E é o que está a acontecer. Formei-me entretanto também em fazer hipotecas, isto é, empréstimos, pois aqui existem entidades privadas para além dos bancos que emprestam dinheiro e têm de ter alguém para fazer esses cálculos e para averiguar consoante cada cliente se qualifica ou não para o empréstimo que pretende. Estou também em contactos com a Universidade de Ontário para saber se o meu diploma cá do ensino superior é reconhecido.
Um dos factores que faz a economia deste país desenvolver-se é o facto de, por exemplo, existirem projectos para a construção de um prédio de habitação, mas o mesmo só se começa a construir quando 75% dos apartamentos estão vendidos, impedindo assim a existência de imóveis por habitar ou por vender, que infelizmente é o que acontece no nosso país.
Muitas vezes as pessoas que emigram recebem o rótulo de ricos quando voltam a Portugal de férias ou de vez, mas muitos se esquecem do sacrifício que nós emigrantes temos de fazer todos os dias para conseguir juntar algum dinheiro. Não ficamos ricos, de todo, mas de facto a vida torna-se um pouco mais desafogada, e podemos desapertar o cinto um pouco mais.
Toronto é uma das cidades mais caras do Canada, tal como Vancouver, mas também o que se aufere é em consonância com o nível de vida. Mas também depende do nível de vida que se quer e do estilo de vida que se quer. Se eu quisesse, poderia ir comer fora todos os dias ou ir beber café todos os dias, mas depois não iria poupar nada, pois as refeições nos restaurantes são relativamente elevados, as rendas das casas são altas e os seguros dos carros também.
Uma grande vantagem de se trabalhar no Canada é que os salários são pagos à semana ou à quinzena, permitindo assim uma fácil gestão do dinheiro, pois sabes que na próxima semana ou daqui a duas no máximo estás a ser pago novamente. Os portugueses cá são muitos bem vistos quando se tenta procurar emprego. Digo ainda que cá só não tem um emprego quem não quer.
Em termos culturais este é um país multicultural. Existem pessoas cá de todo o mundo, muitas culturas, muitos costumes, mas todos se dão bem, há simpatia, sorrisos, gargalhadas, boa disposição e temos a sorte de poder experimentar a gastronomia de praticamente todo o mundo.
Durante a semana a vida é praticamente casa-trabalho, trabalho-casa, aproveitando depois do trabalho para ir ate ao ginásio ou jogar futebol em torneios que se realizam cá durante algumas semanas. Ao fim de semana aproveito para estar com a família, ou ir jogar golf, ou até mesmo passear. Mas seja que hora for esta cidade tem sempre movimento, é deveras impressionante.
Por vezes, ao fim de semana, aproveita-se para sair com os amigos para um bar ou discoteca, mas esses estabelecimentos fecham por volta das 2h30 da manhã, pois não é permitido por lei servir álcool após as 2h00. E assim a noite começa mais cedo, mas acaba também mais cedo.
Se os jovens, e não só, estiverem à procura de novos desafios, ou se forem forçados a emigrar para atingir os objectivos de vida, não tenham medo de o fazer. Não é fácil no inicio, mas é, sem dúvida uma experiência única e muito enriquecedora.
Vando Miguel Santos Lemos